Movimento perpétuo
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ILHA
DAS CANÁRIAS – Numa das 80 ilhas do Delta do Parnaíba, entre os Estados
do Maranhão e Piauí, o maranhense Pedro Oliveira Costa está tentando
realizar um antigo sonho da humanidade: construir um motor contínuo. No
sonho dele, acreditaram a comunidade da ilha, Canárias, e a prefeitura
de seu município, Araioses, que juntas já investiram R$ 30 mil no
projeto. |
“Acho a
idéia meio antiga, mas se der certo é a salvação da Ilha de Canárias”,
diz o secretário de Administração de Araioses, Rogério Fontenele Lima,
de 43 anos. Atualmente, a ilha recebe energia de um gerador.
O
sistema idealizado por Costa, um mecânico autodidata, funciona com a
força da água, armazenada numa caixa com capacidade para 4 mil litros, a
13,5 metros de altura. Um cano de PVC despeja a água sobre a maior das
rodas da engenhoca, com 6,5 metros de raio. Essa roda possui 47 canecas,
que podem receber, cada uma, 25 litros de água.
Carregadas
sucessivamente, as canecas fazem a roda girar. Descem cheias e sobem
vazias. A partir de 20 canecas cheias a roda passa a mover-se sozinha, o
inventor calcula.
A força
do giro movimenta outra roda, menor, ligada à primeira por uma correia.
A segunda alimenta as subseqüentes do sistema. Ao todo são 13, de peso e
tamanho diferentes, conectadas por 10 correias. Enquanto a roda grande
completa um giro, a menor delas completa 250, segundo o inventor.
“Estamos usando as duas forças mais poderosas do mundo”, explica. “A
força da gravidade e a da alavanca.”
A
energia resultante do movimento vai acionar um gerador. Ele vai
alimentar a comunidade e uma bomba, que recolocará a água despejada
pelas canecas da roda grande na caixa. Essa bomba, segundo o inventor,
tem força para colocar 250 mil litros de água por hora a 13,5 metros de
altura.
“A roda-d’água na água funciona”, explica Costa, 53 anos. “Mas agora vamos fazer no lugar seco.”
Nem em filme
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Por
enquanto, a idéia nem nos filmes funcionou. Em Kenoma, de Eliane Caffé,
José Dumont acalenta sonho semelhante. Ele interpreta Lineu, que dedica
a vida à tentativa de tornar viável o moto-perpétuo. |
Visíveis
do porto da ilha, as rodas de Costa de fato parecem saídas da ficção. A
maior, já pintada de prateado, destaca-se inesperada entre a vegetação e
as casas simples dos pescadores. A obra é o orgulho e a esperança dos
moradores, os primeiros a acreditar no inventor. Para tirar a idéia do
papel, juntaram entre eles R$ 4 mil. A partir daí a prefeitura resolveu
financiar o experimento – se funcionar, pode resolver um dos maiores
problemas de Araioses, o déficit de energia, fornecida à cidade pelo
Piauí.
“Quem
diz que não vai funcionar é porque a fé é pouca”, diz Maria das Dores
Oliveira, de 72 anos, que cedeu parte do quintal de sua casa para a
obra. “Vai ser uma energia do outro mundo”, entusiasma-se o filho dela,
Antônio Claurete, de 34, zelador do posto de saúde de Canárias.
Costa
levou mais de 15 anos para convencer alguém a financiar o projeto. Ele
teve a idéia de criar o moto-contínuo em 1983, quando perdeu uma safra
de feijão por falta de água. Queria montar um sistema de irrigação
alimentado por uma fonte de energia economicamente viável. Petróleo ou
eletricidade convencional eram muito caros. Começou então a desenvolver
seu modelo, com a ajuda de físicos, matemáticos e professores
universitários, consultados quando havia chance.
Só dar partida!
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O
inventor diz ter estudado os erros e acertos dos inventores que já
tentaram desenvolver o moto-contínuo, e por isso dessa vez a idéia vai
funcionar. “Só vai precisar dar a partida.” Entre seu material de
pesquisa ele guarda até mesmo um desenho de um dos primeiros modelos de
moto-contínuo da história da humanidade, desenvolvido há 400 anos. |
“É a
invenção mais pesquisada do mundo inteiro”, diz Costa. “Mas os antigos
nunca conseguiram porque não existia o que existe hoje.” A bomba
hidráulica, por exemplo, segundo o inventor. “O que era o mundo há 400
anos?!”
Antes
de executar a obra de Canárias, Costa produziu pequenos protótipos, para
demonstrar o princípio, com rodas de no máximo 3,60 metros de diâmetro.
Ele conseguiu colocar as miniaturas em funcionamento, mas nenhuma gerou
energia. “Não deram força porque eram pequenas”, justifica. “Não dá
para usar a mesma alavanca para levantar um fusca e uma carreta”,
argumenta.
O
segredo de seu motor contínuo, segundo Costa, é justamente a dimensão do
sistema. “Usando a força da alavanca e da gravidade com uma roda de
raio tão grande nunca tentaram”, garante. Se o experimento der certo,
ele pretende partir para proporções ainda maiores.
Rodízio
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O
moto-contínuo hidráulico de Canárias está quase pronto. A obra começou
em fevereiro de 1999. Dez homens ajudaram Costa a erguer a estrutura.
“Fui marceneiro, encanador, eletricista, torneiro, soldador, bombeiro”,
conta. “Só assim para fazer aquela máquina.” Agora ele dá os retoques
finais na pintura e aguarda a chegada do gerador, prometido para esta
semana. |
O
inventor diz ter pedido um gerador de 120 KWAs, segundo ele suficiente
para abastecer as 300 casas da ilha, a mais populosa do Delta do
Parnaíba, com quase 2 mil habitantes.
O atual
gerador de energia de Canárias é de 40 KWAs, segundo Antônio José Reis,
de 52 anos, líder da comunidade. A prefeitura envia de barco, a cada 15
dias, 500 litros de diesel para alimentá-lo. Os moradores nada pagam.
A
produção atual é insuficiente. A oferta obriga os habitantes a fazer
rodízio. Uma noite é a metade mais próxima do Piauí que recebe energia,
das 18 às 22 horas. Na noite seguinte é a outra metade, apelidada de
Maranhão. Quase ninguém tem geladeira – ao todo na ilha há 12 movidas a
gás. Mas aparelho de TV, e uma parabólica, quase todos têm.
“O povo aqui é competitivo”, diz Reis. “O que as pessoas na cidade usam eles também usam.”
Quando
falta energia em casa, o morador da metade às escuras vai assistir à
novela na praça, onde fica a TV da comunidade, de 20 polegadas, servida
por duas tomadas. O aparelho nunca fica sem energia.
Recentemente
foi instalado o único telefone do povoado, um orelhão próximo da TV. O
sistema de telefonia é abastecido com energia solar.
Será mais um...
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Acessível
apenas por barco, Canárias não tem nem um carro. As ruas são de areia. A
ilha fica a 30 minutos de barco de Parnaíba, no Piauí, ou a duas horas
de Araioses, município do Maranhão. Pela proximidade com a segunda maior
cidade do Piauí, acaba dependendo economicamente dela. Existe até uma
linha de barcos ligando as duas localidades. Duas embarcações saem
diariamente de Canárias pela manhã, rumo a Parnaíba, e voltam no início
da tarde. A passagem custa R$ 1,50. |
“Vendemos
quase toda nossa produção em Parnaíba”, afirma Reis. Canárias vive da
pesca – produz cerca de 200 quilos de peixe por dia – e do plantio do
arroz – colhe cerca de 240 toneladas por ano. Também da coleta de
caranguejo, que vai direto para os outros Estados do Nordeste, sem
deixar um tostão em impostos para Araioses.
Orgulhoso
da terra onde mora, Reis descreve Canárias como “um lugar sadio”. Não
registra casos de tuberculose, lepra ou loucura. “Tem comunidade próxima
que dá muita gente louca, muito enfraquecido”, diz. “O único louco
daqui, o inventor dessa máquina, é de fora”, brinca. Costa nasceu em
outra comunidade de Araioses, Santa Maria da Canabrava, a 50 quilômetros
da sede, onde mora até hoje com a mulher e quatro filhos.
Reis
torce pelo sucesso da invenção de Costa. “Canárias precisa muito de
energia.” Mas diz que só acreditará no invento quando a máquina
funcionar. “Eu confio e desconfio, porque nunca vi um negócio desses.”
E se o moto-contínuo não funcionar? “Se não der certo fica pra museu”, diz Reis. “E teremos mais um inventor fracassado.”
Inventores brasileiros divulguem seus trabalhos aqui.
Frase
"As invenções são, sobretudo, o resultado de um trabalho teimoso." (Santos Dumont)